sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Em tempo de adaptação

Pesquisadora: Profª Aracleide Ferreira de Souza Freitas

O início do ano é um momento precioso na escola, em que tudo é novo e difícil para crianças, pais e professores. Mas, com paciência e carinho, as relações vão se construindo...
Início do ano letivo. Uma nova turma de crianças faz a sua estreia na escola. É tempo de adaptação. É bem verdade que, hoje em dia, a maioria das crianças começa bem cedo na creche nem se lembrando do seu primeiro dia na escola, porém, mesmo para estas, a ida para uma nova escola é um momento especial.
Costuma-se chamar de adaptação o período inicial do ano letivo em que crianças (e também seus responsáveis) estão se acostumando à nova escola. Cada escola tem suas próprias crenças e métodos. Algumas acham desnecessário dar um tempo para esse "acostumar-se", mas a maioria, especialmente as que trabalham com crianças pequenas, planejam um período de adaptação cuja duração e características variam. Normalmente, neste período, os pais são convidados a ficar na escola com a criança e pode existir um horário mais curto e flexível que aumenta gradativamente.
Muitos, se perguntados, dirão que adaptação é isso. Algo, portanto, que tem a ver com crianças pequenas e escolas novas. É verdade, adaptação é isso e um pouco mais... A flexibilidade do horário e a permanência de alguém conhecido da criança na escola são o lado visível do processo que envolve outros aspectos que, muitas vezes, passam despercebidos.
Ao entrar para uma escola, a criança trava conhecimento com um novo espaço que é físico e também subjetivo, afetivo, enquanto espaço de relações. Lembro-me de uma mãe que contava que os filhos teimavam em dizer que a nova escola era menor que a anterior embora ela fosse visível e gritantemente maior.
A moça se dizia decepcionada com a reação dos filhos, pois o espaço amplo oferecido pela nova escola fora um dos pontos que pesara na escolha do colégio. Fiquei pensando de que espaço falavam aquelas crianças...
Quando chega numa escola nova, vinda de outra de que gostava - que muitas vezes é a creche onde entrou ainda bebê - e da qual não saiu por vontade própria, a criança pode estar dividida. Perdeu muito e ainda não sabe o que (e se) ganhou: "Nessa escola não tem nada do que eu gosto!", dizia o garotinho emburrado. E, quando a professora perguntou sobre o que havia na outra escola e mostrou que ali havia material parecido, ele não se deixou convencer: "Tudo na minha outra escola era mais bonito".
"Eu não queria vir aqui. Foi minha mãe que queria." Às vezes acontece de a criança estar vindo de outra escola da qual não gostava. Não sabe o que esperar da nova. Por que deve acreditar que a nova seja melhor? "Não gosto daqui, não gosto de nenhuma escola. Quero ficar em casa", repetia a menina a cada tentativa de aproximação da professora. O que dizia era verdade. Não poderia gostar daquele lugar que ainda não conhecia. Precisará de tempo para descobrir que as escolas são diferentes, tempo para descobrir no novo ambiente algo que a interesse, que a encante, tempo para se deixar encantar.
Quando penso nos muitos períodos de adaptação que já acompanhei, ecos e imagens variadas me vêm à mente. Há crianças que chegam animadas e vão logo perguntando: "Onde é minha sala?" Isso quando não entram despachadamente na primeira porta que encontram e tratam de explorar o novo ambiente sem a menor cerimônia. Sentem-se à vontade desde o momento que chegam.
Há as que chegam devagar, trazendo na mão algum brinquedo ou objeto. Olham tudo com atenção, aproximam-se devagar. Vão até a porta da sala, mas se recusam a entrar. Ficam olhando da porta o que acontece lá dentro. Aos poucos acabam entrando. Há também as que chegam assustadas, não soltam as mãos que as trouxeram e sequer olham para a professora ou quem quer que se aproxime.
Dentre todas as imagens que me vêm à mente, quando penso em adaptação, uma me parece particularmente rica de significados. É a de crianças paradas no meio do caminho que leva à sala, seja no corredor, ou entre os dois lances de escada que, no colégio onde trabalho, levam às salas que ficam no primeiro andar. Param indecisas sem saber se voltam para a mãe, o pai, a babá ou a avó que acena (ou acaba de desaparecer), ou se seguem ao encontro da professora que as aguarda na sala. Às vezes olham para trás, para os lados... Imagino que tudo deva parecer enorme e vazio!
Quando as vejo pararem indecisas, sem saberem se vão para frente ou para trás, costumo ir até elas. Em geral, uma palavra de incentivo basta, ofereço a mão, subimos juntas e eu as acompanho até a sala. Outras vezes acontece de pararem no meio do caminho e começarem a chorar. O desespero é tal que não há como subir, como continuar e, nesse caso, procuro ajudá-las a voltar, a ir ao encontro dos braços conhecidos que a trouxeram. Entretanto, mesmo acompanhadas, há crianças que não conseguem se decidir a continuar, ficando assim a meio caminho - lugar desconfortável - entre a segurança do já conhecido e as possibilidades do novo. A estas, com paciência e tranquilidade, pode-se mostrar que suas pernas alcançam os degraus. Que vale a pena o esforço da caminhada. Algumas crianças precisam ser buscadas antes de conseguirem ir por conta própria.
É interessante observar como as crianças chegam. É igualmente interessante observar como são trazidas. Ao receber uma criança, uma escola recebe uma família. Com isso gostaria de chamar atenção para o fato de que o período de adaptação pode ser uma necessidade para os pais que levam seu filho/filha para a escola. "Estou mais nervosa que ele", dizia a mãe. "Não sei se vai dar certo. Acho que ele é ainda muito pequeno." Muitas vezes o adulto está inseguro seja quanto à capacidade do filho/filha (ou da sua própria) de enfrentar a situação nova, de encontrar pessoas diferentes.
Como as crianças, muitos vêm de outras experiências, de outros filhos. Mas há os que nunca passaram por isso, são "marinheiros de primeira viagem". Cada um traz sua história. Todos trazem expectativas. Como as crianças, uns logo sentem à vontade enquanto outros parecem tensos. Há os que se sentem enciumados, ameaçados ou postos a prova. Como se, diante das reações da criança, sua competência, enquanto pais fossem ser julgados. Lembro-me de uma mãe que empurrava a filha na direção da sala, parecendo muito aflita. Falava sem parar com a menina que, sem parecer ouvir, mais se agarrava a ela e continuava a chorar. Quanto mais ela insistia, prometia e ameaçava, mais a criança gritava. O desespero de ambas era visível. Quando me aproximei, a mão falou: "O que vocês devem estar pensando de mim com essa criança que não para de chorar? Vão pensar que não dou educação, que ela é mimada, insegura. Só tem ela chorando. Até os menores já estão na sala. Não sei o que houve. Ela nunca foi de fazer escândalo." Antes de tudo era preciso tranquilizar aquela mãe. Falar-lhe da importância da sua presença para a menina, explicar-lhe que ninguém a estava julgando, assegurar-lhe que podiam ficar juntas, que não havia mal nisso, que com o tempo a criança a deixaria.
Às vezes, uma adaptação difícil é facilitada quando, em vez do adulto muito ansioso, que não consegue se sentir tranquilo, a criança vem acompanhada pela babá, avó, enfim, outra pessoa que não esteja tão envolvida e que, portanto, possa transmitir segurança e tranquilidade.
No que se refere aos pais, a adaptação faz parte do processo de construção de um vínculo de confiança com a escola. E, às vezes, confiar leva tempo. Alguns pais vão precisar testar e perguntar muito sobre tudo e todos antes de "entregarem “os filhos”. É justo que queiram muitas informações. Mesmo algum tempo depois do início do ano letivo, somos surpreendidos com um comentário ou pergunta que nos faz pensar que os pais ainda têm dúvidas sobre a escolha que fizeram o que é perfeitamente compreensível. Somente aos poucos, no desenrolar do ano, das relações, é possível ir conhecendo e avaliando a escolha feita. São muitos os aspectos envolvidos na escolha de uma escola. Sejam quais forem as razões que nortearam a escolha, e por mais cuidadosa que esta tenha sido, isso não garante que tudo corra bem, não significa que a escola corresponda ao que era esperado e que seja boa para aquela criança específica. Às vezes, uma determinada criança não se sente bem numa escola, enquanto seu irmão a adora.
Acontece ainda alguns pais trazerem o filho e avisarem que não podem ou não querem ficar. Certa vez presenciei uma mãe deixar o filho com a professora e, diante do choro da criança, dizer: "Não adianta, não vou ficar. Não tenha paciência, acho isso a maior frescura. Se chorar chorou depois para." É preciso lidar com isso também. E, como em todas as situações, de preferência sem julgamentos, sem preconceitos, procurando garantir o espaço para as diferenças. Talvez ajude, se pensarmos que este é apenas um primeiro momento. Se for preciso, outros serão criados depois para trocar observações, sugestões, para ouvir, para contar, para entender...
E o professor? Ele é peça fundamental nesse processo todo. Ele, também, por mais experiência que tenha, por mais conhecimento e jeito, passa a cada início de ano por um processo de adaptação à nova turma. Às vezes há outras adaptações a fazer como, por exemplo, ao seu par de trabalhos, pois é comum o professor de crianças pequenas trabalharem com um professor auxiliar. Se mudar de turma, o professor terá que se adaptar à faixa etária do seu novo grupo e, nessa fase, um ano faz bastante diferença.
Já ouvi de alguns professores que não gostam do período de adaptação porque, nele, se sentem muito observados. Para eles é um momento delicado, cansativo. O grupo ainda não se constituiu. Como dar atenção a todos? Como dar o tipo de atenção que cada um requer? Que fazer com aquele pai que monopoliza a atenção, falando do filho?
A empatia entre o professor e a turma nem sempre é imediata: "Morro de medo de não conseguir gostar da minha turma”, disse-me certa vez uma professora. Como as crianças e as famílias, cada professor tem suas expectativas, sua história, seu jeito próprio, o qual, dentro do possível, é preciso respeitar. Cada um se tornou professor por um motivo diferente, cada um é um professor diferente. Aos poucos, à sua maneira, vão conquistando a turma, deixando-se conquistar por ela, e logo passam a ser vistos cercados de crianças que parecem já conhecer a muito tempo. Adaptação é tudo isso: é conquista conhecimento, paciência, insegurança, crescimento, confiança... São tantas outras coisas! Um processo feito de outros processos individuais. Envolve-se gente, envolve tempo, envolve sentimentos (às vezes contraditórios), envolve afeto.
E, voltando à imagem da escada da qual falei anteriormente, o melhor da história é ver como em pouco tempo - pouquíssimo - o subir penoso é substituído por um saltitar alegre e descontraído, acompanhado de risos e de uma tagarelice sem fim.
Maria José de Serra

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